Amoras
Amoras
é o primeiro livro escrito por Emicida, nome pelo qual é conhecido Leandro
Roque de Oliveira, cantor, compositor, produtor musical e desenhista; e conta
com ilustrações de Aldo Fabrini.
Rapper conceituado, Emicida demonstra
através das letras de suas músicas, de seus clipes bem como das entrevistas,
muitas disponíveis no youtube, seu comprometimento com a luta antirracista.
Amoras
foi inspirado em um rap homônimo que faz parte de um disco do rapper intitulado Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015).
O livro apresenta uma narrativa
encantadora que, segundo o escritor, nasce de um diálogo dele com a filha,
embaixo de uma amoreira na casa da mãe dele.
Utilizando a poesia, o narrador, passeia
pela religiosidade, pelas grandes personalidades negras e pela simplicidade do
pensamento da criança, para falar de autoestima e construção de identidade
negra. A narrativa indireta, que se inicia falando da pureza do pensamento das
crianças e ganha contornos pessoais no momento em que se estabelece uma
proximidade entre o narrador e a “pequena” que o acompanha no pomar, e ela, na
comparação com as amoras, chega à conclusão
que ser “pretinha” é muito bom.
A narrativa traz, a partir do pensamento
puro da criança, que passeia com seu pai, uma analogia entre sua identidade e a
da fruta, amora.
O texto, escrito em versos, segue
apresentando correlações: “olhar puro e profundo” – “que nem Obatalá”;
“pensamentos dos pequenos” surgem “com olhos de jabuticaba e cabelos de nuvem”;
“Amoras penduradas a brilhar,” – “quanto mais escuras, mais doces”. São
comparações que positivam vocábulos relacionados à cultura negra: "Obatalá", "cabelos", "escuras". A semântica do racismo
estrutural desqualifica vocábulos associados à
negritude. A própria palavra “negro” teve que ser ressignificada pelo movimento
negro.
A religiosidade surge com Obatalá,
apresentado no glossário como o grande orixá, passa por Alá, também presente no
glossário como “designação muçulmana de Deus”, e termina, chamando as pessoas à
reflexão: “Nesse planeta,/Deus tem tanto nome diferente/que, pra facilitar,
decidiu morar/no brilho do olho da gente.”
A narrativa ostenta, ainda, grandes
nomes da história negra: Muhamad Ali, boxer
e ativista social; Martin Luther King Jr., ativista na luta dos direitos civis
dos Estados Unidos; Zumbi dos Palmares, herói negro brasileiro, símbolo da
resistência negra.
A descoberta da “pequena” é forte como
Muhamad Ali, é gentil como Martin Luther King (luta, a exemplo de Gandhi, de
não enfrentamento) e faria Zumbi acreditar que “Nada foi em vão.”
A valorização da história negra se torna
visível, pois, a “pequena”, ao ouvir o pai dizendo que as amoras, “as pretinhas
são o melhor que há”, exclama: “Papai, que bom, porque eu sou pretinha também!”
Vale ressaltar que três versos ganham
destaque: 1)“As pretinhas são o melhor que há”; 2)“nada foi em vão”; e
3)“porque eu sou PRETINHA TAMBÉM”, escritas em letras grandes, ocupando duas
páginas do livro. Essas frases evidenciam que o escritor busca: 1) dignificar a
autoestima negra; 2) exaltar o reconhecimento dos que nos antecederam nos enfrentamentos raciais, fortalecendo
suas lutas ; e 3) colocar em pauta a construção da identidade negra positivada.
Sobre a ilustração, cabe mencionar que harmoniza com a narrativa, percebe-se uma composição, onde ilustração e texto se casam. A escolha das cores, a sutileza dos detalhes, como as diferentes cores das amoras. A imagem da menina, é marcada pelo palco onde mora sua imaginação: a cabeça. Há competência e energia no texto, que a beleza das ilustrações arrematam.
Ainda sobre o escritor, é possível
encontrar falas de Emicida sobre seu livro, que merecem destaque, pois exteriorizam o comprometimento
do rapper com a luta antirracista. Em um vídeo, no youtube, Emicida esclarece:
“A ideia do livro é justamente essa, correr e chegar primeiro, pra que esse
vazio, essa ausência seja preenchida com uma referência bacana, bonita a
respeito deles mesmos, de nós, sacou! A partir do momento que você tem essa
referência, você ta um pouco mais forte para enfrentar as maldades do mundo.”
(https://www.youtube.com/watch?v=3czQelua5nA&t=313s
0min40ss)
A narrativa de Emicida tem
intencionalidade, ele tem consciência dos malefícios do racismo, como se pode
perceber na sequência de sua fala, no mesmo vídeo: “(...) Amoras, é um incentivo pra que, quando essas crianças se olharem no
espelho, e elas vão se deparar com o racismo na prática antes do que na teoria,
porque ele antecede a teoria sempre, ta ligado! Quando esse racismo prático
bater na porta delas, elas vão estar um pouco mais fortalecidas” (4min09ss).
Amoras,
é
literatura negra, de autoria negra, com ponto de vista, linguagem e temática
negra. O público negro se identifica
nela e, certamente auxilia o público
branco a repensar alguns de seus paradigmas.
E.é uma alegria trazer para esse blog, Amoras de Emicida. E, é dele as palavras que encerram essa pequena resenha, lembrando a importância de ler, de presentear, de estudar literatura negro-brasileira: “Nossa vitória é distribuir esses 'sempres' e demolir esses 'nuncas', que destroem nosso imaginário desde muito pequenos. Então, creio eu, que essa é a importância da representatividade. A partir do momento que você conta a história, e a pessoa se vê nela, nesse caso, as crianças, ela também passa a crer que tem lugar nesse mundo e que tem uma importância tremenda.” (Emicida, Entrevista à Revista Crescer)
EMICIDA. Amoras. Iustrações Aldo Fabrini. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2018
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